sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

200 anos

Conversando com algumas pessoas, percebi que nosso despertar pra compreender uma cidade é algo meio louco.

Quando crianças, nos vemos numa casa, com nossa família e nos convencemos de que estamos ali porque “nossos pais escolheram”, “foi o que o dinheiro deu”, “essa casa é da família há muito” ou qualquer outro motivo que seja apresentado. Ir a outras casas de nossos familiares passa a ser uma aventura e notamos que existem outros lados da cidade.

Passear, ir à praia, ir ao shopping, brincar na praça. Parece que os retalhos vão se juntando. As ruas fazem a função da linha e o meio de transporte seria uma espécie de agulha. Percebemos que além dos lugares que a gente vai, existem outros próximos aos nossos e paisagens diferentes. Que nem todo mundo tem casa. Ou que existem pessoas que têm mais de uma.

Dessa descoberta, surge também a de que nem todas as casas são iguais, nem as paisagens. E o lugar que você ocupa na sua cidade pode dizer muito sobre você. É que existem linhas imaginárias (outras não tão imaginárias assim), vários meridianos e paralelos que nos separam enquanto cidade. Etiquetas que nos distribuem o tempo todo. E que tacitamente, aceitamos (e é muito mais fácil aceitar quando não é um desconforto lidar com isso).

Maceió é muito bonita, mas as praias são meio poluídas. Amigxs de fora, finjam que essa parte não está no texto. A Praia do Francês (a mais famosa) não fica em Maceió. Temos um acordo comum proposital de errar geograficamente e esconder a cidade de Marechal Deodoro do mapa (se você reparar bem, tem uma estátua gigante embaixo de um dos viadutos que te levam pro Francês indicando uma nova cidade). Corre que ainda dá tempo de aproveitar o litoral norte enquanto não tomam conta.

Longe de mim ridicularizar as belezas naturais daqui. Maceió é maravilhosa. Só que é muito mais do que uma água de coco à beira-mar (com o esgotinho do hotel sendo despejado por lá mesmo). Imagina se uma pessoa pudesse viver 200 anos. O quanto de história ela teria? Imagina agora que várias pessoas viveram nesses 200 anos aqui. Que estabelecemos relações das mais diversas possíveis. Maceió são pessoas, lugares, culturas. As mesmas pessoas que a gente cruza todos os dias na faculdade, nas ruas, no ônibus, no estágio, no trabalho. Outras pessoas que não conhecemos e que nem iremos conhecer.

Somos condicionados a pensar que Maceió é uma cidade bonita e violenta. Se de um lado a vitrine anuncia a beleza das praias e lagoas, o outro joga um balde com o “título” de 7ª cidade mais violenta do mundo. A “tensão” que a gente vive diz muito sobre nossa cidade. Fica cada vez mais evidente que quando empresas incorporadoras e construtoras, por exemplo, se apropriam de um espaço público, perdemos coletivamente. E perdemos principalmente porque reforçamos a crença de que só há civilização onde há asfalto, onde há cinza (a gente planta umas árvores pra proteger a camada de Ozônio).

E daí que a gente esquece que existem lugares de uma não-cidade. De uma Maceió mais esquecida do que os limites geográficos de Marechal Deodoro. De uma não-cidade que não tem os serviços mais básicos. Da iluminação ao saneamento, passando pela saúde e pela educação. Que existem pessoas de carne e osso, iguais a gente, que sentem as mesmas coisas, tem os mesmos desejos, as mesmas dores de barriga.

As vezes tudo é tão perto, mas tão longe ao mesmo tempo. Inclusive nossas relações interpessoais.

Resultado: uma cidade em que as pessoas só conseguem enxergar o medo e a beleza. A beleza, porque salta os olhos. É inevitável, quando a gente encontra alguém, nosso primeiro conceito sobre aquela pessoa é se ela é bonita ou não. O medo, porque a gente é alimentado cotidianamente por uma mídia, um judiciário, uma cultura, que diz que nosso inimigo pode estar exatamente do nosso lado. Que existe uma competição. Que não podemos sair de casa. Que é necessário nos isolarmos em condomínios, verticalizar, blindar. Que existem bairros que a gente não pode nem passar perto, e pessoas que assaltam, matam e cometem outros crimes por nada. Que contra estatísticas não há argumentos.

Sobreviver, adaptar, amar. Apropriar.

Talvez, para muitos, seja mais fácil escrever um texto parabenizando o Rio ou São Paulo. Está na hora de começar a tomar os rumos da cidade. Antes que tomem por completo.

Uma cidade muda não muda, e talvez essa foto (pra contrastar com tanta beleza natural) seja uma breve síntese do muito a ser feito. :)
Parabéns, Maceió!

domingo, 5 de julho de 2015

ponto-e-vírgula

“Toda história tem um começo.
E talvez começar seja o mais difícil. Na verdade, nunca sei qual é a parte fácil. Porque nenhum final é um fim. Até mesmo quando o maior dos meteoros nos destruir, haverá ainda continuação. Apesar de não ter sobrado um dinossauro, sabemos que ao menos existiram. E criamos ficções em cima disso.
O que pretendo falar hoje? Ainda não sei. Talvez começar a colocar ideias num papel, mesmo que virtual. Tentar ser uma pessoa mais leve. Equilíbrio. Eu fico pensando: as pessoas falam o que a gente quer ouvir ou o que lemos nós adequamos ao nosso cotidiano?”.

Penso isso enquanto termino mais um post aclamado daqueles blogs de autoajuda hipster que colocam uma foto aleatória que até 2011 seria brega, mas, como tudo na vida, voltam a ser “ótimas leituras”, “recomendadíssimas”, que explicam a solidão – apesar das redes sociais com mil amigos, muitas curtidas, elogios, sdvs – o medo de ficar só ou de decepcionar quem esteja consigo. E a intensidade.

Acho que minha geração viu tanta série, que as vezes pensa estar em uma. E por isso, as coisas devem acontecer milimetricamente ao acaso. Não chega a ser pessimismo barato. Na verdade, acho que temos tantas respostas que elas só nos confundem mais. E o que pesa aqui não é ter respostas, mas um equilíbrio de perguntas.

A geração dos anos 90 cresceu. Pôs a cara no sol. E não poderia ser de forma mais desastrosa. Sinto que algumas vezes falta propósito na vida. A gente é tão cheio, mas tão vazio. Eu não sei se deveria escrever isso, enquanto coisas lá fora me aguardam. Mas resolvi que precisava me dar um final de semana de descanso. De desapego. Acho que é um possível investimento.
Investimento. A palavra mais mercadológica pra descrever a vida.

[pausa]

21 anos e não sei bem o que fazer do futuro. Surgem possibilidades. Mas é como se todas essas possibilidades estivessem flutuando e nenhuma me atraísse, por mais tentadora que seja. Também, escolher uma profissão com 16 seja algo de extrema (ir)responsabilidade.

Mas, por qual motivo a vida tem que ser resumida profissionalmente? Lógico! Porque dizem  que quando você não está bem no campo dos relacionamentos, o foco tem que ser na carreira. Só que a carreira é feita também de relacionamentos.

Daí, mais um desafio pra gente: ser bem sucedido nos dois. No campo pessoal e profissional. Ostentar uma boa saúde, um bom comportamento, um bom emprego, sem demonstrar que passou a vida inteira se comparando, se matando, gastando qualidade de vida para ter “qualidade de vida”.

Tentei fazer uma lista de coisas que gosto de fazer: percebi que não sei mais se tem coisas que gosto de fazer. Percebi que a coisa que mais gosto de fazer é quando não estou olhando para o relógio pensando no que devo fazer, neste caso: dormir. É comum que o melhor momento do dia seja justamente aquele que não se tem consciência de que se está fazendo algo?



O primeiro semestre de 2015 foi de grandes perdas. Há um semestre ainda para ser escrito. E não será obra milimétrica do acaso.

sábado, 5 de julho de 2014

Vomitei Copa.

Nunca gostei de futebol. Mas copa é copa. De uma forma ou de outra, a gente se envolve. Tipo uma novela. É um assunto que todo mundo tem algo a dizer, independentemente de qualquer coisa. É bom rir da criatividade das pessoas, das alegrias compartilhadas e a sensação de histeria que dá em toda gente.

No exterior, ver os jogos do mundial, entender as emoções de pessoas de outras nacionalidades ao ver seus ídolos e gols, mesmo que sejam minoria numa multidão de gente de outra nacionalidade (beijo pro pessoal da Costa Rica) é um pouco indescritível. Enxergar-se rodeado por outros brasileiros durante um jogo da seleção é particularmente confortante, principalmente quando se nota que, há cinco meses, estava num lugar ermo, desconhecido, sem qualquer referência geográfica ou afetiva e ser brasileiro significava, muitas vezes, ouvir algum comentário maldoso (inocentemente ou não) sobre o país.

Esse turbilhão de sentimentos, no entanto, não significa qualquer minimização do massacre, expulsão da população pobre e negra, a exploração sexual e as demais violações de direitos que foram característicos desse (e de muitos outros) mundial. É um dos motivos que evito cantar os gritos de guerra da torcida, viver intensamente qualquer sentimento patriótico que tente ser transmitido. Sem falsos puritanismos, também não consigo separar o futebol, e a consequente paixão, de toda a infraestrutura criada para que houvesse a "Copa das Copas".

A “novela” da Copa não começou no 12/06/14 e os auges dramáticos não foram o gol contra da abertura (extremamente simbólico, arrasou Marcelo!), o sufoco com o México, os pênaltis com o Chile ou o recente machucado do Neymar. Tem gente sem casa, tem gente sem um parente, tem gente sem vida. Tem gente sendo presa porque denuncia tudo isso. Tem uma nação abrindo mão de sua soberania enquanto sua população grita gol.


Para além de tudo isso, a postura de alguns - muitos - brasileiros vem me incomodando muito. Conhecidos por nossa alegria, espontaneidade e receptividade, utilizamos o desígnio de "país do futebol" (dada por sabe-se deus quem) para destilarmos comentários xenófobos, racistas, misóginos, homofóbicos, transfóbicos para Deus e o mundo. Quando o jogo não basta, a petulância de gritar: "a Copa tá comprada!". Um viaduto, construído para o mundial, caiu e matou duas pessoas. Mas a vértebra do Neymar justifica o fim do “sonho do hexa”, justifica xingarem, e ameaçarem de estupro a filha do jogador que atingiu – acidentalmente, até que se prove que não - o camisa 10 da canarinha. 

Por enquanto, desejo melhoras ao Neymar, ao futebol-negócio, ao Brasil. Segue minha indiferença, agora mais forte. Patriotismo (na real, a quem serve o patriotismo? "Os corações, assim como as pátrias, não deveriam ter fronteiras") e vontade de mudar o Brasil não vão ser medidos por uma estrela a mais ou a menos no brasão da CBF.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Dessa vez, literalmente.

Quando criei o blog, a intenção era que fosse um espaço de escrever pensamentos e bobeiras da vida. Nem isso deu certo. Depois da empolgação primeira, faltou inspiração e só postei dois textos. Retomando a ideia, ainda que falte inspiração, não faltará história pra contar.
Ainda que a gente desconsidere a fase pré-intercâmbio e torça para que chegue logo a grande data da viagem, os momentos que antecedem são essenciais. Escolha da Universidade, Processo Seletivo, Passaporte, Visto, Malas, Previsão do Tempo, tudo contribui para deixar a viagem mais nervosa e garantir aquele frio na barriga.
Aleatoriedades, rotinas e fugas.
Uma vez li em algum lugar – tipo aqueles livros “ajude a melhorar seu cérebro” que você lê durante o pré-vestibular – que era preciso forçar mudanças para estimular melhor a capacidade cognitiva. Não entendo muito disso (nem quis), mas “alternar os lados pelos quais se começa a escovar os dentes”, “pegar caminhos diferentes para chegar em casa”, “sentar em lugares diferentes no ônibus, na mesa da cozinha...”, sempre me pareceu algo divertido e desafiador. Não que isso tenha alguma relação com passar seis meses em Porto, mas talvez explique um pouco do meu desapego e de tentar ver lado bom nas mudanças, mesmo que sofridas.
O interesse por viagens foi estimulado por meus pais. A gente sempre viajou, muito mais por Alagoas e o Nordeste. Ficando mais velho e construindo uma formação política, comecei a acompanhar os encontros e construir a FENED. Balanço: cinco regiões do Brasil conhecidas. Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul. Conheci um pouco das caras, sotaques, belezas e mazelas do Brasil.
Ela não merece esse prêmio, e para destruir o dela, eu quero o meu primeiro” e a Geração Y.
Algumas pessoas me perguntam como foi que a ideia do intercâmbio surgiu. Para quem quer ter a oportunidade de ir por meio de uma bolsa, a exemplo do Santander e do Ciência$ sem Fronteira$, é importante sempre observar os editais de mobilidade que abrem na UFAL (F5 no site da Assessoria de Intercâmbio sempre). Além dessas, existe também a opção do próprio intercambista se bancar. Do formulário de candidatura para a Universidade do Porto, pelo que observei, existe uma gama de opções para quem tem o interesse de estudar por lá.
Um pouco de história. Durante as calouradas (aquele período em que a gente tá mais preocupado em tirar a “nhaca” de ensino médio e decorar os nomes “das pessoas que vão passar cinco anos com você” do que prestar atenção no que acontece nas oficinas), sempre citam a mobilidade acadêmica. Eu também deixei passar despercebido. Algumas pessoas foram falando sobre, e meu interesse começou a ser despertado.
Mas com tanta gente boa, seria quase impossível conseguir uma bolsa, o que me deu uma desanimada e me fez retomar o curso natural da vida, principalmente porque o critério sempre fora o coeficiente (uma média ponderada das notas acumuladas ao longo do curso). Minhas frustrações com o direito nunca me permitiram um coeficiente maior do que 8,5, numa sala de “coeficiente ostentação”.
Essa frustração com o direito meio que me empurrou a conhecer novas faces. Centro Acadêmico, Projeto de Extensão, Projeto de Pesquisa, Movimento Estudantil... Imperceptivelmente, acumulei experiências válidas também para o currículo. Foi aí que surgiu a oportunidade da primeira tentativa: uma mobilidade para dentro do Brasil.
Depois de muitas pesquisas e uns telefonemas (haha), decidi concorrer para a UFRJ e bati na trave. Ótimo para a Ana (Aleijada), que teve uma das melhores experiências da vida e brilhou no Rio de Janeiro.
Logo depois disso, a FDA que mudava os critérios para aceitação de horas flexíveis, definiu que criaria critérios para além do coeficiente na seleção de bolsistas, estagiários e tudo que tivesse que selecionar. Ótima iniciativa, por sinal, já que dá uma oportunidade, ainda que não paritária (o peso é 5 para ensino, 2,5 para pesquisa ee extensão), de estudantes extensionistas, pesquisadores e do movimento estudantil também terem boas chances de serem selecionados. Surgiu o edital de bolsas luso-brasileiras Santander, em que concorri e fui selecionado como representante da FDA para a segunda fase.
A segunda fase é a mais nervosa. Aquela em que te colocam de cara com todos os concorrentes – que estão tão nervosos quanto você – para uma entrevista com três professores. É aquela hora em que passam mil coisas pela sua cabeça, em que mesmo que você tenha conversado com outras pessoas que já passaram por esse momento, o corpo treme e você se questiona se realmente está convencido de que deveria fazer um intercâmbio e se sim, porque merecia mais do que as pessoas que estavam ali.
Algo dolorido e não saudável, principalmente quando, apesar de ser constantemente bombardeado pelo individualismo e concorrência ferrenhos, você tenta desconstruí-los. Certa vez, li um texto sobre a “Geração Y” (pós “baby boom”) que apontava justamente como maior defeito nosso, a crença ferrenha de que “se é diferente dos outros e possui um diferencial: é tudo uma questão de te encontrarem/uma oportunidade pra você deslanchar”. Nada mais errado. Nunca me desconvenci que, apesar de uma formação acadêmica, a minha função é ser mais uma peça para fazer a engrenagem rodar, o ponto está em desfazer a engrenagem, mas na base da coletividade.
Depois de notar que todo mundo também estava meganervoso e desconfortável, por qualquer motivo que fosse com a situação, fiquei mais aliviado. Sempre que vejo pessoas nervosas, acabo me acalmando de alguma forma. A entrevista foi bem tranquila: quais meus interesses, porque o intercâmbio, que universidade, currículo, projetos de pesquisa, extensão, monitoria... Dias depois, o resultado dos cinco selecionados.
O mais legal é que durante as entrevistas troquei umas – boas - impressões com três dos selecionados, o que fez com que as angústias com passaporte, compra de passagens, seguro de viagem, visto, carta de aceite, fossem compartilhadas.
Geraldo, prepara o táxi que eu tô indo pra Paris agora”.
Para quem (como eu) acredita que organizar uma viagem de intercâmbio seria tão simples quanto qualquer outra viagem: ledo engano. Como tudo na minha vida, tem que ser da forma mais dramática possível, na base do sofrimento, chororô e roda-da-fortunisticamente.
De uma Carta de Aceite que atrasou, aos mil documentos que se deve providenciar para tirar um visto, uma discussão nível baixo com a moça do Consulado e o gigantesco engarrafamento em Maceió por conta de uma obra, parecia que o visto estava amarrado e a viagem miaria a qualquer momento. Para o alívio – mais meu do que da nação -, saiu. Seis dias antes da viagem, mas saiu. Que fique bem claro que essa angústia foi dignamente compartilhada pelo “Ufal em Portugal”.
Malas prontas, tudo ok! E no caminho lado a lado, um passo errado tropecei”
A viagem é amanhã, as malas tão prontas! Depois de tanta viagem, é quase impossível não saber arrumar uma mala. Pesados embaixo, cuecas e meias separadas, necessaire, calça com a ponta pra fora para depois abraçar a mala e camisas de botão por cima das calças. Quase um mantra. Seguido rigidamente.
A maior surpresa foi ter redescoberto a necessidade de ter controle de tudo. Antes que a mala tomasse forma, fiz mil listas. Do que levar, do que comprar, do que não esquecer. Maior qualidade: pensar em tudo e conseguir, por uma vez na eternidade, ser organizado. Maior defeito: ser hipocondríaco e levar uma farmácia, o que me faz ter medo de não passar nem na alfândega.
A saudade é companheira”
Saudade não se prevê, se sente. E a medida em que for sentindo, compartilho. Agora é aproveitar o restinho de tempo e aproveitar a epopeia dos seis meses que começa amanhã.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Do que eu aprendi/o na greve... - parte 1



Dizem alguns que o direito está nos Códigos, nos Tribunais e nas peças processuais.
E nisso, cegamente, devemos passar a acreditar. O que mais motiva a crença é a ausência desse direito nas ruas. Idolatramos doutrinadores, jurisprudências, súmulas, personalidades jurídicas, letras frias, preconceituosas e mortas. A velha máxima se torna o mais efetivo dos brocardos latinos: na teoria, a prática é outra.
O mito da caverna aponta para a direção das trevas ao horizonte, da ganância, da especulação imobiliária e do egoísmo. Existe ainda um direito espancado, feito de sucata, pouco efetivado e que nunca pode vir a ser, nesses moldes de sociedade, pela falta de crença: o direito à liberdade e à felicidade.
O que temos para hoje é a curiosidade, o riso cariado, a brincadeira de luta/tapa, o beijo melecado de batom, o carinho reprimido, o não, não e não, que se reafirma em sua negatividade a cada piscar-brilhar dos mesmos olhos curiosos. As mãos e tampas têm história! Uma história que quer ser vivida, sobretudo, gritada: quero existir, quero minha casa, meu sustento e minha dignidade!


quarta-feira, 13 de julho de 2011

Teste da OAB: uma nova educação Jurídica é necessária, mas em que moldes?

“Educação não transforma o mundo.
Educação muda pessoas.
Pessoas transformam o mundo”.
Paulo Freire

A Faculdade de Direito de Alagoas (FDA-UFAL), na comemoração de seus 80 anos, recebeu uma notícia desagradável de grande repercussão pelas mídias locais, alunos e professores da instituição: a baixa aprovação no exame da ordem dos advogados do Brasil, com a conseqüente queda de 18 posições que ocupava no ranking das universidades de direito do país. A princípio, o que pareceu assustador, preocupando a forma pela qual se dá a construção do ensino jurídico aos futuros bacharéis alagoanos, é reforçado pela a mercantilização da educação, que transforma o estudante em um cliente, seja ele no âmbito público ou privado. Dessa forma, o cliente passa a ser transformado em números, dados e estatísticas.
São conhecidas algumas informações veiculadas de descrença no teste da OAB, dos lucros que a instituição angaria com esse processo, ou da impossibilidade de avaliação do conhecimento de um estudante por meio de uma prova específica. Por isso, trataremos aqui, de outro ponto de vista, a da formação jurídica a qual os discentes estão submetidos. Não se quer, com isso, justificar um “fracasso” da universidade da qual fazemos parte para conforto próprio ou dos que possam vir a ler o texto. Acreditamos, porém, que a preocupação e cobrança social não devam partir exclusivamente de um exame pontual aplicado ao fim do curso, que pouco prioriza a produção acadêmica e pode ser solucionado com estudos em um cursinho preparatório.
Sendo o Direito uma ciência social aplicada, este deve ser aprendido e compreendido no seio da sociedade. Portanto, um bom profissional do direito (rechaçando-se aqui o uso do “operador” do direito – direito não é máquina!) deve ser bem mais do que um simples banco de dados resultante de cinco anos de estudos e exames avaliativos dentro da faculdade. Logo, criticamos aqui o fato de acreditar-se que os bons estudantes são aqueles que tiram as maiores notas exclusivamente por decorarem aquilo que anotaram durante as aulas, estes não são bons estudantes e sim, reprodutores. Nossa concepção de educação perpassa os limites da sala de aula, isto é, o aluno não é um mero recipiente no qual o professor deposita seu conhecimento, ou seja, ela deve ser construída também tanto pelo estudante quanto fora da universidade.
Ao analisarmos o índice de desenvolvimento do estado de Alagoas, percebemos que não estamos numa boa posição e que, inclusive, nossa educação é uma das piores do país, bem mais estranho do que um índice de baixa aprovação no exame da OAB são estes. Porém, o que temos feito para reverter a situação, ou será que estudamos uma ciência humana apenas para lidar com o técnico? E o que os bacharéis com carteira da Ordem têm feito?
Recorremos ao artigo 207 da Constituição Federal, garantidor da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o tão citado, mas pouco conhecido, “tripé universitário”. É bem verdade que o exame da OAB não dá qualquer valor aos dois últimos, logo, percebe-se que para a formação de um advogado ordinário, o único requisito é um ensino jurídico básico. Ainda com a existência de uma norma que assegure essa indissociabilidade o que se têm feito? Pouca coisa. Os TCC’s (quando obrigatórios), na maioria das vezes são reproduções do que doutrinadores já falaram; as extensões pouco dialogam com a sociedade, cabendo poucos exemplos louváveis de efetivas extensões. Aliás, são poucas as instituições privadas que conhecem esse tripé.
 Não é a toa que, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil possui mais faculdades de direito do que o resto do mundo. A ausência de laboratórios, máquinas para estudos e o alta procura no “mercado da educação”, possibilitaram a explosão do curso que só necessita de uma sala de aula, um professor e clientes. Atenta-se para o fato de que fechar faculdades contribui somente com a restrição da educação para os que querem ter acesso a ela. É necessária uma fiscalização contínua do Ministério da Educação, que evite fraudes já conhecidas.
O Brasil obedece a uma lógica de mercado, cujo objetivo não é mais formar profissionais críticos, que saibam lidar com as mazelas sociais, buscando soluções conjuntas com a sociedade, mas sim, formar pessoas prontas para o mercado de trabalho, concurseiras, que se utilizem do ensino do direito enquanto forma de ascensão social, que permanecem em seus condomínios privados, cercas elétricas e carros com vidro fumê, crendo ser a “realidade” vista nos noticiários tão distante quanto as ficções da teledramaturgia.
Valorizar nossa educação jurídica não é adequá-la às provas do exame da ordem. Caso seja baseado em uma prova que avalia apenas o ensino jurídico e a capacidade de nossos estudantes de direito em assimilar e reproduzir o conteúdo numa prova, a solução é transformar as faculdades em grandes empresas de cursinho, fenômeno já conhecido pelos estudantes que passam pelo vestibular - acostumados a macetes e questões específicas da prova que quer prestar. Se ainda tivermos preocupações com a nossa população alagoana, com os abismos econômicos existentes e a idéia de injustiça social, o caminho é lutar por uma nova educação jurídica. Uma educação que não priorize a OAB, mas a tenha como conseqüência de um processo de formação educacional dos novos operários do Direito, preocupados, de fato, com a transformação social.