sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

200 anos

Conversando com algumas pessoas, percebi que nosso despertar pra compreender uma cidade é algo meio louco.

Quando crianças, nos vemos numa casa, com nossa família e nos convencemos de que estamos ali porque “nossos pais escolheram”, “foi o que o dinheiro deu”, “essa casa é da família há muito” ou qualquer outro motivo que seja apresentado. Ir a outras casas de nossos familiares passa a ser uma aventura e notamos que existem outros lados da cidade.

Passear, ir à praia, ir ao shopping, brincar na praça. Parece que os retalhos vão se juntando. As ruas fazem a função da linha e o meio de transporte seria uma espécie de agulha. Percebemos que além dos lugares que a gente vai, existem outros próximos aos nossos e paisagens diferentes. Que nem todo mundo tem casa. Ou que existem pessoas que têm mais de uma.

Dessa descoberta, surge também a de que nem todas as casas são iguais, nem as paisagens. E o lugar que você ocupa na sua cidade pode dizer muito sobre você. É que existem linhas imaginárias (outras não tão imaginárias assim), vários meridianos e paralelos que nos separam enquanto cidade. Etiquetas que nos distribuem o tempo todo. E que tacitamente, aceitamos (e é muito mais fácil aceitar quando não é um desconforto lidar com isso).

Maceió é muito bonita, mas as praias são meio poluídas. Amigxs de fora, finjam que essa parte não está no texto. A Praia do Francês (a mais famosa) não fica em Maceió. Temos um acordo comum proposital de errar geograficamente e esconder a cidade de Marechal Deodoro do mapa (se você reparar bem, tem uma estátua gigante embaixo de um dos viadutos que te levam pro Francês indicando uma nova cidade). Corre que ainda dá tempo de aproveitar o litoral norte enquanto não tomam conta.

Longe de mim ridicularizar as belezas naturais daqui. Maceió é maravilhosa. Só que é muito mais do que uma água de coco à beira-mar (com o esgotinho do hotel sendo despejado por lá mesmo). Imagina se uma pessoa pudesse viver 200 anos. O quanto de história ela teria? Imagina agora que várias pessoas viveram nesses 200 anos aqui. Que estabelecemos relações das mais diversas possíveis. Maceió são pessoas, lugares, culturas. As mesmas pessoas que a gente cruza todos os dias na faculdade, nas ruas, no ônibus, no estágio, no trabalho. Outras pessoas que não conhecemos e que nem iremos conhecer.

Somos condicionados a pensar que Maceió é uma cidade bonita e violenta. Se de um lado a vitrine anuncia a beleza das praias e lagoas, o outro joga um balde com o “título” de 7ª cidade mais violenta do mundo. A “tensão” que a gente vive diz muito sobre nossa cidade. Fica cada vez mais evidente que quando empresas incorporadoras e construtoras, por exemplo, se apropriam de um espaço público, perdemos coletivamente. E perdemos principalmente porque reforçamos a crença de que só há civilização onde há asfalto, onde há cinza (a gente planta umas árvores pra proteger a camada de Ozônio).

E daí que a gente esquece que existem lugares de uma não-cidade. De uma Maceió mais esquecida do que os limites geográficos de Marechal Deodoro. De uma não-cidade que não tem os serviços mais básicos. Da iluminação ao saneamento, passando pela saúde e pela educação. Que existem pessoas de carne e osso, iguais a gente, que sentem as mesmas coisas, tem os mesmos desejos, as mesmas dores de barriga.

As vezes tudo é tão perto, mas tão longe ao mesmo tempo. Inclusive nossas relações interpessoais.

Resultado: uma cidade em que as pessoas só conseguem enxergar o medo e a beleza. A beleza, porque salta os olhos. É inevitável, quando a gente encontra alguém, nosso primeiro conceito sobre aquela pessoa é se ela é bonita ou não. O medo, porque a gente é alimentado cotidianamente por uma mídia, um judiciário, uma cultura, que diz que nosso inimigo pode estar exatamente do nosso lado. Que existe uma competição. Que não podemos sair de casa. Que é necessário nos isolarmos em condomínios, verticalizar, blindar. Que existem bairros que a gente não pode nem passar perto, e pessoas que assaltam, matam e cometem outros crimes por nada. Que contra estatísticas não há argumentos.

Sobreviver, adaptar, amar. Apropriar.

Talvez, para muitos, seja mais fácil escrever um texto parabenizando o Rio ou São Paulo. Está na hora de começar a tomar os rumos da cidade. Antes que tomem por completo.

Uma cidade muda não muda, e talvez essa foto (pra contrastar com tanta beleza natural) seja uma breve síntese do muito a ser feito. :)
Parabéns, Maceió!

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